por Fausto Macedo, via Estadão
No dia 28 de agosto de 1985 o Brasil instituiu o Dia Nacional Do Voluntariado, por meio da Lei Nº. 7.352, sancionada pelo então presidente da República, José Sarney. Desde então, a data é celebrada anualmente por entidades que trabalham com voluntários.
Diversas organizações sobrevivem e desenvolvem um papel fundamental à coletividade, graças ao trabalho de voluntários. Entre elas, algumas bem conhecidas, como a Cruz Vermelha e o Médicos Sem Fronteiras.
O dicionário Aurélio define voluntário como “aquele que procede espontaneamente, sem coação, movido pela vontade própria”. Definição esta que advém da etimologia da palavra latina voluntariu.
O Programa Voluntários, instituído pelo Conselho da Comunidade Solidária em 1997, com o escopo de promover e fortalecer o voluntariado no Brasil, define voluntário como “cidadão que, motivado pelos valores de participação e solidariedade, doa seu tempo, trabalho e talento, de maneira espontânea e não remunerada, para causas de interesse social e comunitário”.
No mesmo sentido, o conceito difundido pela Organização das Nações Unidas (ONU), que define que voluntário é o “jovem ou o adulto que, devido ao seu interesse pessoal e ao seu espírito cívico, dedica parte do seu tempo, sem remuneração alguma, a diversas formas de atividades, organizadas ou não, de bem estar social ou outros campos”.
Esses dois últimos conceitos convergem no tocante à principal motivação para o exercício do voluntariado: a satisfação do voluntário, a geração de uma realização pessoal em servir a quem precisa, sentindo-se socialmente útil.
Entretanto, a discussão que se pretende travar no presente artigo, para além dos conceitos mencionados, é que o trabalho voluntário, antes de qualquer coisa, é um trabalho. E como tal, gera direitos e obrigações, bem como consequências jurídicas para ambas as partes.
O debate se justifica porque, ainda hoje, muito se confunde o trabalho voluntário com uma “ajuda” isenta de responsabilidade ou compromisso, em virtude de não haver contraprestação pecuniária pelo serviço prestado.
A importância também reside no fato de que boa parte da sociedade desconhece a existência de regulamentação do trabalho voluntário. Uma necessidade que surgiu ao longo da década de 90, tendo sido promulgada a Lei 9.608, em 18 de fevereiro de 1998.
O conceito legal de trabalho voluntário foi estabelecido no artigo 1º:
“Artigo 1º. Considera-se serviço voluntário, para os fins desta Lei, a atividade não remunerada prestada por pessoa física à entidade pública de qualquer natureza ou à instituição privada de fins não lucrativos que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência à pessoa.”
A redação inicial do dispositivo foi alterada pela Lei 13.297/2016, que incluiu a assistência à pessoa como objetivo de atividade não remunerada, reconhecida como trabalho voluntário.
O parágrafo único estabelece, de forma expressa, que o trabalho voluntário não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista previdenciária ou afim.
Ponto relevante e visto como uma vitória pelas entidades que trabalham com voluntários é a exigência, instituída pelo artigo 2º da Lei 9.608/98, de celebração de Termo de Adesão entre a entidade e o prestador do serviço voluntário, dele devendo constar o objeto e as condições de seu exercício.
Isto porque favorece a profissionalização do trabalho voluntário, permitindo à instituição exigir horário, qualidade e desempenho no trabalho prestado. O que ajuda a desconstruir a mentalidade de que o voluntário está prestando um favor e não tem responsabilidades para com a entidade.
A formalização da relação de trabalho voluntário por Termo de Adesão é fundamental. Tanto para a definição dos direitos e deveres inerentes às partes, quanto para o cumprimento de requisito formal da relação, sem o qual esta pode ser descaracterizada.
Vale destacar que a assinatura do Termo de Adesão, por si só, não tem o condão de afastar o reconhecimento de vínculo de emprego, pois em eventual enfrentamento judicial envolvendo o tema, aplicar-se-á o princípio da primazia da realidade.
Isto é, prevalece o que de fato ocorreu, e o vínculo poderá ser reconhecido, caso presentes os requisitos previstos no artigo 3º da CLT, ainda que firmado termo que estabeleça trabalho na modalidade voluntária.
Outra disposição relevante trazida pela lei é a possibilidade de ressarcimento de despesas pelo voluntário, o que deve ser autorizado pela instituição beneficiada. Entende-se que esta autorização deve estar prevista no Termo de Adesão, para que, assim, desde o início, fique claro e ajustado tudo o que pode ser objeto de ressarcimento.
Essa previsão privilegia o trabalho voluntário e auxilia no aumento de sua adesão, pois elimina o que pode ser uma barreira a quem queira se voluntariar. Qual seja, o custeio de despesas decorrentes desta atividade.
A regulamentação contribuiu também para a formalização de parcerias entre empresas e instituições do terceiro setor. Sendo comum, inclusive, empresas cederem espaço na jornada de trabalho de funcionários para atividades voluntárias, o que depende de pactuação entre empregado e empregador.
Em uma sociedade complexa e desigual tal qual a que vivemos, o voluntariado se revela como um verdadeiro exercício de solidariedade e cidadania, constituindo-se como uma conjunção de esforços para um bem maior.
Nesse viés, a Lei 9.608/98 trouxe importante regramento ao trabalho voluntário, favorecendo a sua ampliação, reforçando as responsabilidades daqueles que se comprometem e dando maior segurança jurídica às partes envolvidas.
Matéria Original: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-papel-do-trabalho-voluntario-e-os-impactos-da-lei-9-608-98/