por Letycia Cardoso, via Jornal Extra
O valor do auxílio emergencial pago em 2020, de R$ 600, era o mesmo que a artesã Renata Souza, de 43 anos, faturava por mês antes da pandemia, com a venda de laços de cabelo e chinelos customizados. Mãe de uma adolescente de 14 anos, arca sozinha com a parcela do financiamento de um apartamento pelo programa Minha Casa, Minha Vida, de R$ 160, além das contas básicas de consumo e das despesas com alimentação. Sem conseguir vender seus produtos e com o benefício reduzido a R$ 150, viu a situação apertar. Teve a internet cortada e a filha Hillary, cujo sonho é ser pediatra, chegou a ficar uma semana sem poder assistir às aulas de casa. Foi então que Renata descobriu que poderia contar com a solidariedade de desconhecidos pela internet:
— Meu irmão me falou do Projeto Garrafas no Mar, em que eu poderia colocar uma conta de consumo para que alguém pudesse pagar. Já tenho 13 contas pagas, e minha filha agora pode estudar para ter uma vida melhor.
A iniciativa é do analista de sistemas Alexandre Caruso, de 45 anos. Por ter bronquite e fazer parte do grupo de risco para Covid-19, começou a se questionar, em junho do ano passado, como poderia ajudar sem sair de casa. No seu tempo livre, desenvolveu uma tecnologia que permite conectar quem não consegue pagar contas essenciais, como luz, água e gás, a quem pode ajudar.
Para evitar fraudes, excluiu a possibilidade da aplicação de boletos que não sejam direcionados a concessionárias. Em um ano, mais de 600 pessoas foram ajudadas e cerca de R$ 54 mil foram pagos em contas.

— Se eu parasse por aqui, já estaria satisfeito, porque sozinho não conseguiria doar esse valor todo. A iniciativa surgiu no Rio, mas se espalhou mundo afora.Tenho cadastro de doadores que moram na Austrália, na França, no Canadá ajudando pessoas daqui, do Recife e até de Manaus — conta.
O ímpeto de contribuir cresce à medida que a esperança em uma situação econômica melhor para todos os brasileiros reduz. Segundo a pesquisa “Nós e as Desigualdades”, da Oxfam Brasil e do Instituto Datafolha, divulgada em maio deste ano, 64% não acreditam que as desigualdades diminuirão nos próximos anos. E sem a redução das diferenças, 86% dos entrevistados concordam que não haverá progresso no país.
Para a tecnóloga de alimentos Luciana Cabral, de 36 anos, que mora em São Paulo, ter emprego durante a crise sanitária e econômica é um privilégio. Por isso, se dispôs a contribuir com quem não está na mesma situação.
— Já paguei três contas pelo Garrafas no Mar. Muitos projetos sociais são voltados à distribuição de cestas básicas. Com certeza, alimentação é importante, mas ter luz para manter uma geladeira e gás para cozinhar é muito importante também. É dignidade — opinou.

Pedidos pelas redes sociais
Quando o auxílio emergencial foi interrompido, a dona de casa Brenda Caroline da Silva, de 20 anos, que tem dois filhos pequenos, se viu com a despensa vazia. A renda do marido, que trabalha sem carteira assinada em uma cerâmica e recebe menos do que o mínimo, não é suficiente. A jovem decidiu, então, pedir ajuda nas redes sociais.
— Mandei mensagem privada para pessoas que tinham muitos seguidores no Instagram e no TikTok, contando a minha história. Muitas desconfiaram que eu realmente estava passando necessidade, mas algumas me ajudaram com cestas básicas e transferências pelo Pix — conta Brenda: — E sempre que eu posso, divido os mantimentos arrecadados com uma vizinha que mora na minha rua com sete filhos. Eu sei que a situação dela é ainda pior. Como não tem celular, nem pode pedir ajuda pela internet.
‘Pix rompeu barreiras e facilitou doações’
Entrevista com André Miceli, coordenador na FGV do curso Marketing e Negócios Digitais
A internet já estava aí antes da pandemia. Por quê só agora a solidariedade ganhou destaque na rede?
Falamos muito que a covid é uma doença coletiva: precisamos que todo mundo use máscara, respeite o isolamento e use álcool em gel. Essa noção de coletividade fez também despertar o interesse de contribuir com quem está precisando. Isso se tornou muito claro ao longo do caminho. Pessoas que já estavam engajadas aumentaram suas doações e começaram a divulgar projetos para outras. Por outro lado, quem está começando a passar dificuldade, como o chefe de família que perdeu o emprego, mas ainda tem elementos como um celular ou lan house, viram na internet a possibilidade de dar amplitude ao pedido de ajuda e, consequentemente, ter mais chances de ser atendido.
Podemos dizer que a popularização de meios de pagamentos digitais contribuiu para o maior volume de doações pela internet?
Sem dúvidas. A facilidade de fazer transferências foi uma grande aliada por agilizar o processo. O Pix, por exemplo, rompeu barreiras e facilitou as doações porque você só precisa de uma chave. Quanto menos etapas, menor a chance de a pessoa desistir. Isso porque a doação tem uma relação muito grande com impulso. Se uma pessoa coloca um pedido em um comentário de vídeo emocionante, a probabilidade de surtir efeito é muito maior do que se colocasse a súplica em um vídeo de futebol.
Ponte para uns, entrave para outros
Ciente de que um sistema de cadastro complexo poderia representar um entrave à participação de diversas pessoas com menor grau de instrução, Caruso resolveu simplificar o acesso ao projeto. Dessa forma, os interessados têm apenas que fazer um pequeno perfil, contar um pouco da própria história e tirar uma foto da conta em aberto. A escolaridade, no entanto, não é o único fator dificultante para pedir apoio on-line. A internet, que pode ser ponte para alguns, representa obstáculo para outros, em situação de pobreza extrema e que não têm dispositivos tecnológicos ou acesso à conexão.
Esse é o caso da desempregada Angélica Guimarães, de 44 anos. Há três anos, seu marido foi diagnosticado com esquizofrenia. Depois de algumas crises, ambos foram demitidos. Hoje, a única renda do casal que mora com três filhos é o Bolsa Família, no valor de R$ 400.

— Na minha casa ninguém tem celular. Meu filho tinha, mas foi roubado. Cheguei a colocar três contas no projeto que foram pagas, mas agora não sei mais o que fazer. Sem o aparelho, não vou poder pedir ajuda — lamenta Angélica.
A exclusão digital também dificultou o acesso ao auxílio emergencial, devido à exigência de cadastro pelo aplicativo Caixa Tem. De acordo com o painel Tic Covid-19 de março de 2021, elaborado pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto B, 20% das classes DE disseram não ter conseguido o benefício por não possuir celular e 22%, por limitação de internet.
Como ajudar?
Garrafas no mar
Os interessados devem acessar o endereço www.projetogarrafanomar.glideapp.io e fazer um cadastro. Lá, é possível escolher a conta de consumo a ser paga pelo valor ou pela história dos participantes.
Instituto Lar
Iniciativa do Rio de Janeiro para alimentar pessoas em situação de rua e distribuir cestas básicas às famílias vulneráveis impactadas pela pandemia. As doações podem ser feitas pelo site www.institutolar.org.br.
COVID-19 nas favelas
Meu Rio, por meio da iniciativa COVID-19 nas Favelas, arrecada recursos para ajudar famílias no Rio de Janeiro. As doações podem ser feitas pelo endereço covid19nasfavelas.meurio.org.br.
Catadores da Reciclagem
Muitos catadores têm idade avançada, além de número considerável de cardíacos, doentes renais e diabéticos, entre outros. Por isso, a “Cesta Básica para Catadores da Reciclagem no RJ” é uma campanha de arrecadação para distribuição de alimentos básicos e materiais de limpeza. Doações pelo site: www.abacashi.com.
Tem Gente com Fome
Movimentos como Coalizão Negra Por Direitos, em parceria com Anistia Internacional, Oxfam Brasil, Redes da Maré, Ação Brasileira de Combate às Desigualdades, 342 Artes, Nossas – Rede de Ativismo, Instituto Ethos, Orgânico Solidário e Grupo Prerrô, uniram suas forças para lançar uma campanha de financiamento coletivo. Os fundos arrecadados serão usados para ações emergenciais de enfrentamento à fome, à miséria e à violência na pandemia de Covid-19. Doações podem ser feitas para a Associação Franciscana DDFP, pela chave Pix 11.140.583/0001-72.
Amigos do Bem
Com a pandemia, a situação se agravou ainda mais no sertão nordestino, a região mais carente do país. Os Amigos do Bem criaram uma ação emergencial para levar alimentos e ajuda para milhares de famílias que vivem em casas de barro, sem água e sem nenhum recurso, em povoados isolados que não teêm para quem pedir. Doações podem ser feitas pelo endereço doar.amigosdobem.org.
#PANELACHEIASALVA
A Central Única das Favelas(CUFA), o Gerando Falcões e a Frente Nacional Antirracista lançaram o movimento Panela Cheia. Contato para doar: panelacheiasalva.com.br.
Brasil Sem Fome
A Campanha da ONG Ação da Cidadania está alimentando milhões de brasileiros que estão em situação de fome por todo o Brasil. Doações podem ser feitas pelo site www.brasilsemfome.org.br.
A Nossa Jornada
Com o aumento do número de casos de Covid-19, houve uma crise de abastecimento de oxigênio, e o Instituto A Nossa Jornada foi responsável por lançar uma vaquinha e reunir recursos junto às ONGs e aos grupos de Manaus para salvar vidas. O objetivo atual é levar oxigênio e insumos para outros municípios do Amazonas mais distantes de Manaus. Os interessados em ajudar devem acessar o site institutoanossajornada.org.
Casa da Amizade
A entidade sem fins lucrativos atende a aproximadamente 200 famílias do Grotão de Paraisópolis, uma comunidade de São Paulo, e se propõe a atuar na integração dos alunos ao ensino emergencial remoto das escolas públicas, garantindo o direito a aprendizagem de cada um. As doações podem ser feitas pela chave Pix, que é o CNPJ 07.758.948/0001-50.
Asilo Dom Bosco
O Asilo Dom Bosco (ILPI João Miguel da Silva) é uma instituição sem fins lucrativos, que atende gratuitamente idosos em situação de risco ou abandono. A organização está arrecadando alimentos, fraldas geriátricas (tamanhos M e G), produtos para higiene pessoal, caixas de leite, materiais de limpeza e doações em dinheiro. É possível entrar em contato pelo telefone (24) 3338-5056 ou pelo e-mail contato@asilodomboscovr.org.br.
Juntos pelos Refugiados
Desde o início da quarentena, a PARES Cáritas RJ arrecada recursos para refugiados no Rio de Janeiro. O contato é pelo e-mail captacao@caritas-rj.org.br.
–
Imagem: Renata Souza teve a conta de internet paga, e a filha Hillary, de 14 anos, pôde voltar a estudar remotamente Créditos: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo
Matéria Original: https://extra.globo.com/economia/solidariedade-na-rede-internet-conecta-quem-precisa-de-ajuda-quem-pode-doar-rv1-1-25046270.html